segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

O Poder Erótico

Consuelo Novais Sampaio Trechos do diário e de cartas da rainha Cristina Vasa, dialogando com cartas inéditas do padre Antonio Vieira, através de narrativa extremamente sensível, fez de O Poder Erótico, um dos mais, senão o mais atraente livro publicado neste 2012. A autora, austríaca, Gloria Kaiser, é hoje uma das mais destacadas historiadoras do Brasil. Os seus livros revelam fatos fundamentais e inéditos da nossa história. É grande a dívida do Brasil para com ela. Para escrever O Poder Erótico, Glória Kaiser esmiuçou documentos na Biblioteca do Vaticano, e de várias outras, como a Library of Congress, Wash., D.C., a Biblioteca Pública de Portugal, as de Chicago, Los Angeles, Genebra, Veneza, Salvador etc. Lançado recentemente na Academia de Letras da Bahia, este livro cobre os seis anos que o padre Antonio Vieira passou em Roma, cumprindo degredo imposto pela Inquisição. Trata-se de fase praticamente ausente na biografia do padre que afirmou “nada ser mais forte e poderoso que a palavra. Com ela podemos vencer qualquer escuridão”. O cerne deste romance histórico está na relação de amizade que se desenvolveu entre o padre Antonio Vieira e a rainha Cristina Vasa. É curioso que ambos hajam se encontrado em Roma (1669 a 1675), punidos com o desterro. Ainda que também tenha sido acusada pelo Santo Oficio, o exílio dela foi voluntário, em decorrência de sua firme decisão de renunciar ao trono da Suécia, filha e sucessora legítima do grande rei Gustavo Vasa. O degredo de Vieira foi-lhe imposto pela Inquisição. Passaria cinco anos em Roma, proibido “para sempre da voz ativa e passiva e do poder de pregar...” Temiam a sua palavra. Cada vez mais poderosa e abrangente, ela, condenou a escravização dos índios, o “aterrador comércio de seres humanos” que se desenvolvia entre o Brasil e a África; a “lascívia” dos colonos e dos sacerdotes; a discriminação entre judeus novos e velhos. Em pleno domínio da Espanha em Portugal, teve a audácia de proferir sermão contra esse domínio, e previu “uma unificação da Europa sob a condução de Portugal”. A rainha Cristina já conhecia os sermões de Vieira há décadas antes de encontrá-lo no seu palácio em Roma. Pela universalidade do seu conhecimento, tornou-se conhecida como a Minerva do Norte. Falava e escrevia em oito idiomas. O seu diário e cartas citadas neste livro foram escritos em português. Manifestou ao Papa o desejo de ter Vieira como seu pregador. Vieira queria receber dela lições de italiano, o que lhe permitiria, com o apoio do Papa, deixar a sua cela, no castelo de Sant’Angelo, nas horas de escuridão. Graças a ela, que não se cansava de enaltecê-lo, Vieira proferiu discursos e palestras na Academia, instituição criada pela rainha. A constância dos encontros fez crescer, cada vez mais, a confiança entre os dois, numa sólida comunhão de espíritos. A amizade cresceu num tom confidencial e a intimidade se estreitou entre esses dois grandes vultos históricos. O amor carnal que parece não haver sido consumado, ela compensava na aquisição ávida de livros e obras de arte, o que mereceu a censura dele: “Você deseja possuir o que não pode possuir. O que não podemos possuir! A nós! A nossa comunhão! E, às vezes, somos impelidos a isso com todas as forças! Cristina,é muito bom observá-la. O seu corpo é formoso, eu não o esqueci. Eu a abraço. Seu Antonio.” Ela terminava as suas cartas afirmando, “Sempre sua, Cristina”. Nada indica, no livro, que hajam ultrapassado os limites do amor platônico, contemplativo. Nem mesmo a tórrida paixão que antes se desenvolvera entre ele e a rainha de Portugal, Dona Luisa de Gusmão, fora capaz de fazê-lo quebrar os votos sacerdotais, conforme confessou à Cristina. A luta contra o poder erótico, Vieira garantiu, “não pode ser vencida, pois dessa forma estaremos lutando contra a própria vida. Ele só pode ser domesticado pelo espírito” que assim se fortalece. Neste findar de ano, desejamos que elementos integrantes desse poder – respeito, confiança, fé, solidariedade, serenidade e amor – dominem nossos espíritos e prevaleçam num Feliz 2013.

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