sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Biblioteca Anthony John R. Russell-Wood


Aquele que possui uma biblioteca sabe bem como ela se apodera da sua alma. Vai-se formando e crescendo imperceptivelmente, seguindo os passos do dono. A cada passo um livro, e livro segue livro. Numa sucessão surpreendente vão pavimentando o caminho do dono; crescem conforme o ritmo, as curvas e saltos da caminhada. Quando esta se acelera, exigem a adição de nova estante. Com o passar do tempo esta estante exige outra, depois outra e mais outras, numa sequência que só para com o fim da vida.

A Biblioteca do Prof. Dr. Anthony John Russell Russell-Wood é muito rica no seu acervo, pois como professor de uma universidade norte-americana, a The Johns Hopkins University, ele não precisava comprar livros. Todos aqueles que quisesse para o trabalho a que se dedicava no momento, vinham às suas mãos, assim como as estrelas foram às mãos de Einstein, para que ele escrevesse a Teoria da Relatividade, como afirma Ortega Y Gasset. Várias e muitas vezes, enquanto lá estudei sob a sua orientação, vi alunos que, após registrarem no balcão da Biblioteca Eisenhower dez ou mais livros que necessitavam, levava-os num carrinho de mercado para a sua residência. E caso a biblioteca da universidade não possuísse um dos livros desejados, este chegaria às suas mãos, em 24 horas, não mais de 30, conforme a dificuldade em obtê-lo, através do inter-library loan, sistema que lá funciona à perfeição. Com o incrível avanço tecnológico desta era, tudo ficou mais rápido. Quando me doutorei, em setembro de 1979, todo o acervo da grande biblioteca de 5 amplos andares havia sido computadorizado. Hoje, sabemos, pode-se ter, em segundos, o livro que desejarmos.
Com o incrível avanço tecnológico desta era, não sei como o sistema funciona hoje em dia. Sei apenas que quando me doutorei, em fins de 1979, todo o acervo da grande biblioteca de 5 andares havia sido computadorizado. Hoje, sabemos, podemos ter, em segundos, o livro que desejarmos.    
A biblioteca do professor Russell-Wood foi-se formando com aqueles livros que mais de perto atendiam à sua necessidade de informação e aos temas de pesquisa que no momento estivesse trabalhando. Quem analisar a sua biblioteca mergulhará no processo de formação da sua metodologia de trabalho e, possivelmente no desenvolvimento do seu próprio pensamento e ideias inovadoras.
Assim, foi com admiração e respeito que conheci a biblioteca particular do professor Russell-Wood. Altas estantes em madeira de lei escura circundavam o seu gabinete e avançavam pelo amplo cômodo vizinho, fazendo com que todo o primeiro nível da sua bela casa fosse tomado por livros. Quem tem uma biblioteca sabe como os livros avançam, sem cerimônia, sem piedade, pelos cômodos da casa. Por isso, quando se começa a ver a vida do alto da última prateleira dessa biblioteca, em geral depois dos 70, 75 anos, chega-se à conclusão de que está na hora de doá-la, para que não venha a ser decepada em muitas fatias por compradores ávidos. Foi o que pensei, numa decisão de quase desligamento vital, quando decidi doar a minha biblioteca particular para o Mosteiro de São Bento, em Salvador, através do seu Arquiabade Dom Emanuel d’Able do Amaral. Decidi ficar com apenas aqueles livros referentes a pesquisas que iria realizar. Confesso que me admirei quando constatei que acima do umbral que dá acesso ao meu quarto de dormir, eu colocara um escaninho, no qual havia guardado, como se quisesse esconder de mim mesma, para não doá-la, uma coleção de clássicos da literatura mundial. Meus filhos, Andréa e Paulo Roberto podem dizer que foram contagiados por minha bibliofilia, mas Paulo não pode atribuir a mim a bibliomania, um quase compulsivo amor aos livros, que o leva aos sebos dos lugares por onde passa. Não é de admirar que o vírus biblio tenha contagiado meus netos Felipe, Marcela e Samantha.
O amor pelos livros fez com que o Prof. Russell-Wood deles se desfizesse somente após o seu falecimento, naquele 13 de agosto de 2010, antes dos 70 anos que completaria no dia 11 de outubro seguinte. Queria doá-los. Mas a decisão foi difícil. Só no Brasil, as suas pesquisas haviam-no levado a diversas unidades da Federação, especialmente a Minas Gerais e São Paulo. A excelência dos seus trabalhos fez com que fosse convidado, com certa frequência, para ministrar cursos, realizar conferências, participar de seminários nas universidades não só de Minas e São Paulo, mas também do Rio de Janeiro, Brasília, Pernambuco, Ceará, Mato Grosso, Rio Grande do Sul, dentre outras unidades deste país. 
A decisão final de doá-la para a Universidade Federal da Bahia contou com o apoio da sua bem amada esposa Hannelore. Considerou que sendo a Bahia, a matriz deste grande Brasil, os estudos sobre o Brasil Colônia poderiam ser impulsionados na UFBA. Além do mais, a Bahia foi o marco inicial dos seus estudos pioneiros. Aqui chegou, pouco depois de graduado na Universidade de Oxford – primeiro aluno na história desta secular instituição a receber o título de Bacharel em Língua e Literatura Portuguesa. 
Antes de vir à Bahia, recebeu convite para lecionar na então Universidade do Sul, na Rodésia, hoje Zimbabue. Decidiu ouvir Charles Boxer, o professor que maior influencia exerceu na sua brilhante vida acadêmica. Boxer foi tachativo: Na Rodésia,você pode ter a chance de passar férias em Lourenço Marques, disse ele, (hoje Maputo, capital de Moçambique) e na praia catar pedaços de porcelana Ming e Qing.
Quem conheceu Sir Charles Ralph Boxer, ainda que através de uma das suas muitas publicações, sabe do seu refinado senso de humor, da brevidade e contundência de suas observações críticas, atributos que John Russell Wood soube absorver, integralmente. Com Charles Boxer, ele havia estudado as Crônicas Portuguesas na Ásia, que mesclavam História e Literatura. Sem perceber, suas conversas com o mestre tornaram-se mais constantes, até ser contagiado pela paixão que ele devotava à História. Para satisfazer a esta paixão, Charles Boxer passou a dominar várias línguas orientais, e praticamente todas as europeias, além do latim. Talvez por esta influência linguística, John manifestou-lhe o desejo de aprender mirandês, língua ancestral ainda falada nos confins da Galicia. Charles Boxer perguntou-lhe: 
Gosta de chuva? Sim,respondeu./ Todos os dias? (fez-se silêncio)/ Gosta de Caldo Verde? Sim./ Todos os dias? (silêncio). Fez-se breve pausa, e voltou a indagar: Gosta de sol? Sim./ Todos os dias? Sim! Então vá para a Bahia!
Assim o jovem Anthony John Russell Russell-Wood chegou a Salvador, nas asas da Panam. Com minguados recursos financeiros, deu aulas de inglês para alguns empresários que lhe pagavam antecipadamente; escreveu alguns artigos para jornais, e encontrou apoio vital junto à nobre senhora Agnese Neeser que, na expressão do próprio Russell-Wood, foi a sua inspiração e estímulo constantes. Conduziu-o à famosa biblioteca do Manu e apresentou-o aos expoentes culturais da época – Jorge Amado, Caribé, Kennedy e outros.
Da pesquisa que realizou, com o auxilio de amigos que foi conquistando, especialmente do muito ilustre João da Costa Pinto Dantas Jr., então Provedor da Santa Casa de Misericórdia da Bahia, surgiu a sua tese de doutorado, Fidalgos e Filantropos, a Santa Casa de Misericórdia da Bahia, na qual revelou formas de ascensão social e de mobilidade na Bahia, ao longo de dois séculos (1550-1755). Nela também examinou os meios através dos quais uma instituição privada exerceu funções que deveriam ser da responsabilidade da coroa ou da municipalidade. A sua devoção à pesquisa, fez com que o Instituto Geográfico e Histórico da Bahia lhe concedesse em 1966 o título de Sócio Correspondente; três anos depois o Instituto Histórico Brasileiro também fez dele Sócio Correspondente. Este é  um dos seus mais importantes trabalhos. Publicado em inglês em 1968, no ano seguinte recebeu o ambicionado Herbert Eugene Bolton Prize, concedido pelo Congresso de Historiadores Latino Americanos. Em 1971 tornou-se membro permanente da Royal Geographical Society em Londres. Em 1983, “pela excelência acadêmica” deste trabalho  recebeu o Arthur P.Whitaker Prize. Por este livro foi também distinguido com o título de Benemérito da Santa Casa de Misericórdia da Bahia, em 1999, por sua contribuição ao conhecimento da História, distinção concedido pelo então Provedor Dr. Álvaro Conde Lemos, quando esta nobre instituição comemorou 450 anos de existência. A bela conferência que então pronunciou na Câmara Municipal está publicada em brochura. No ano de 2000 foi condecorado em Portugal com o título de Comendador da Ordem Internacional de Mérito das Misericórdias. 
 A significativa contribuição desta sua tese para a historiografia (a versão portuguesa viria em 1982, 14 anos depois de publicada), fez com que John fosse prontamente admitido como professor, na tradicional e muito exigente The Johns Hopkins University (JHU). Em uma das entrevistas concedidas ao professor Luciano Raposo Figueiredo, também publicada na Revista de História da Biblioteca Nacional, ele acentua o papel fundamental que sobre ele exerceu a universidade norte americana, pela dinâmica atmosfera intelectual, marcada pela ênfase na metodologia, nos estudos comparativos e interdisciplinares -- marca acadêmica da Johns Hopkins (Homewood Campus) que treina os estudantes para serem professores e pesquisadores profissionais. Observo que o Seminário Interdisciplinar da Hopkins é uma instituição centenária, famosa no meio acadêmico. Ele estimulou a segunda publicação do prof. Russell-Wood, em 1975, From Colony to Nation. Essays on the Independence of Brasil, da qual foi também editor. 
A produção intelectual de John Russell-Wood é fascinante, pela abrangência dos temas, enfoque multidisciplinar e abordagem comparativa. Para ele, além da Literatura, todas as áreas do conhecimento humano constituem fontes para a História – Sociologia, Antropologia, Ciência Política, Psicologia, Oceanografia etc. Seus trabalhos também revelam o alto valor que deu a mecanismos e objetos informais do conhecimento, que lhe permitiam estabelecer conexões e novas interpretações sociais, tais como o marfim de Goa, as louças de porcelana oriental, encontradas em São Luis do Maranhão; tapetes Guzerate da Índia, com a inscrição de uma caravela portuguesa, e assim por diante. 
Seus trabalhos também se distinguem pela supremacia que concede à dimensão humana nos feitos da História. Esta sua preocupação com a capacidade de realização e mudanças do homem levou-o também à elaboração de pequenas biografias como a de Manuel Francisco Lisboa, um Escultor na Idade de Ouro do Brasil, na qual desfez equívocos históricos que consideravam o pai do Aleijadinho, português de origem, carpinteiro e arquiteto, como se fosse o próprio Aleijadinho, homônimo do pai. A publicação em 1992 do livro Society and Government in Colonial Brazil, 1500-1822, deu-lhe a oportunidade de focalizar de perto três personagens da História: um estudante da Universidade de Coimbra no século XVII, nascido na Bahia; um potentado do sertão, no século XVIII, Manuel Nunes Viana, e Antonio Fernandes, um escravo que, sob julgamento em Salvador, sofreu muitas atribulações e sofrimentos Todos três levantaram não só questões de identidade, mas também das relações colônia-metrópole, da avaliação do governo da coroa e do papel desempenhado por aqueles sem nome, los de abajo, que por ele foram elevados à dignidade de personagens da Historia, O peso do individuo na História também está presente em ensaios, como Woman and Society in Colonial Brazil, e. em muitos outros entre os mais de 80 ensaios, artigos, e capítulos de livros publicados.
Para realizar os trabalhos que nos legou, John foi levado por seu indomável espírito aventureiro a pesquisar nos locais dos temas que estudava. Assim, palmilhou grande parte deste mundo. Além de várias cidades no Brasil e na Europa, pesquisou no antigo império Indo-Portugues, vasculhando Goa, que em 1961 tornou-se estado da Índia; também foi a Diu e Damão, agora territórios da India, além do antigo Ceilão, atual Sirilanka. Em tempos mais recentes, também vasculhou o Nepal, em pleno golpe militar, e não pensou em recusar ou adiar o convite que lhe fez a Universidade de Israel, para ali ministrar um curso de curta duração, numa circunstância história na qual a fronteira de Israel com a Palestina estava sendo iluminada por intensivo fogo cruzado, numa guerra sem fim, que já consumiu milhares de vidas.
A grande, fascinante e inovadora produção historiográfica do Dr. Anthony John Russell Russell-Wood por certo despertará, com a doação da sua biblioteca particular à Universidade Federal da Bahia, a elaboração de estudos específicos. Aqui farei breve referência apenas a algumas de suas obras mais divulgadas. Além das já citadas, The Black Man in Slavery and Freedom in Colonial Brazil, foi publicada em 1982; teve segunda edição em 1993, uma terceira bem ampliada em 2002, sendo finalmente traduzida para o português e publicada, treze anos depois de ser lançada (2005), com o título de Escravos e Libertos no Brasil Colonial. Na abertura dessa edição, após analisar as tendências historiográficas das últimas décadas, John registrou o seu agradecimento aos estudiosos brasileiros, especialmente baianos, que colaboraram com os seus trabalhos ao longo dos anos, destacando o saudoso Prof. Carlos Ott, o mestre Luis Henrique Dias Tavares, então diretor do Arquivo Público da Bahia, (que hoje nos honra com a sua presença) e no qual encontrou grande apoio, o Dr. Álvaro Lemos e Antonio Ivo de Almeida, então Provedor e Diretor Executivo da Santa Casa de Misericórdia da Bahia, o saudoso Erik Loeff, as professoras Ieda Pessoa de Castro e Maria Helena Flexor, os professores Cid Teixeira, João José Reis e Luis Mott, dentre outros.
Na década de 1990, uma enxurrada de novos livros foram por ele lançados. Alguns ensaios, como Fronteiras no Brasil Colonial– Realidade, Mito e Metáfora e Portos do Brasil Colonial, atenderam ao desafio que ele se impôs de situar o Brasil no vasto contexto do mundo de influência portuguesa. Penso que esses ensaios foram prévias para os seus últimos livros monumentais. O Império Português, o Mundo em Movimento, um deles foi publicado em inglês em 1992 e no Brasil, pela Difel sete anos depois,. Introduzindo nesta obra o conceito de movimento, ele superou a vigente fragmentação da historiografia, livrando-se dos limites geográficos e cronológicos, ao tempo em que enfatizava a dinâmica e as interligações entre o Brasil, a África e a Ásia. Desenhou uma ampla e inovadora visão do Império Português, através da análise dos meios de transporte, produtos comercializados, tipos e atitudes de pessoas, seus estilos e ideias, estabelecendo pontos em comum e divergências. Por este fenomenal trabalho, recebeu neste mesmo 1992 da Comissão Nacional para as Comemorações das Descobertas Portuguesas o Premio Internacional Dom João de Castro, em reconhecimento pelo ”melhor trabalho original no campo da História dos Descobrimentos e Expansão Portuguesa, do século XV ao XX”.  Em seguida, (1996) o governo português concedeu-lhe o honroso título de Comendador da Ordem de Dom Henrique. 
Em outra obra fascinante, Portugal e o Mar, um Mundo Entrelaçado, publicado em 1998, simultaneamente em inglês, espanhol e português, John desenvolve inovadora teoria, segundo a qual o mar foi a força unificadora, o elemento decisivo de integração do vasto e disperso Império Português, e não fator de separação e de dificuldades, como registrava a historiografia tradicional. Outros livros sucederam-se: Local Governament in European Overseas Empires, 2v., em 1999 e Government and Governance of European Empires, 2v., no ano de 2000. Além desta grandiosa produção intelectual, o Dr. John Russell-Wood encontrou tempo para participar e organizar pelo menos nove grandes antologias, escrever mais de 80 artigos e 50 resenhas, ao lado de seminários, das inúmeras conferências em auditórios, radio e televisão, além de vídeos. etc.
Não sei como encontrou tempo para ministrar tantos cursos nas mais diversas universidades para as quais foi convidado, inclusive no Japão, além das suas obrigações como professor na The Johns Hopkins University, atendendo a alunos da graduação e doutorandos, não sei. É para mim um mistério, que cresce quando me recordo que ao chegar à Johns Hopkins, e folhear o jornalzinho do Homewood Campus, arregalei os olhos quando deparei com a noticia de que o professor John Russell-Wood havia sido eleito pelos estudantes de graduação o melhor e mais popular professor de todo o Campus! Como meu professor, ele me parecia distante, de extrema exigência e impermeável a qualquer desculpa. Extraía do estudante tudo que podia e mesmo o que não sabia se podia. Mas à medida que fui progredindo, essa máscara foi-se desfazendo, revelando um homem de personalidade extremamente generosa, gentil e agradável. Quando sabia que o estudante ia entregar-lhe a tese de doutorado no tempo por ele estipulado, juntava-se a ele e aos demais alunos no Grad Club, para conversas amenas, muitas risadas, sempre fertilizadas por um bom vinho. Invariavelmente, o seu grupo era dos últimos, senão o último, a deixar o clube.
Devo registrar que dentre os cerca de 3.000 livros, esta biblioteca contem pelo menos três enciclopédias: The Cambridge History Of Latin America em três volumes, a Encyclopedia of Latin American History and Culture, cinco volumes e a Cambridge Encyclopedia. Oferece mais de 300 livros e 40 revistas referentes à História de Portugal e à expansão portuguesa, na África, Índia, Japão etc.; cerca de 165 livros e 70 brochuras sobre a expansão da Europa, inclusive da Rússia e sua relação com o  negro. Inclui mais de 50 livros sobre a América Latina e, como seria de esperar, a grande maioria dos livros tem como tema o Brasil. Eles cobrem todos os assuntos de interesse do pesquisador e estudiosos do Brasil Colonia e Imperio, estando a grande maioria em português e inglês.
Sir Charles Ralph Boxer, para citar apenas um autor, comparece com cerca de 40 livros, além de muitos manuscritos, artigos, brochuras. Sem medo de errar, posso afirmar que nenhuma outra biblioteca neste país possui as obras completas deste pioneiro da história do Brasil que, pela importância da sua produção recebeu da Rainha da Inglaterra o honroso título de Sir. Citarei (em português) apenas dois desses livros, para destacar a influência positiva que ele exerceu sobre o Prof. John Russell-Wood: Some literary sources for the history of Brazil in the XVIII Century (Fontes literárias para a história do Brasil) e Municipal Councils of Goa, Macao, Bahia e Luanda, 1510-1800 (Conselhos Municipais de Goa, Macao, Bahia e Luanda,1510-1800). O primeiro acentua a importância da literatura para o estudo da História, e o segundo, revela a importância dos estudos comparativos. John Russell-Wood dedicou ao mestre, em 1999, um estudo com o título de Charles Ralph Boxer, Teacher, Scholar and Bibliophile e outro em 2005, Charles Boxer’s Use of Literary Sources in the Study of Race Relations in Colonial Brazil and the Maranhão. Alegra-me registrar que, quando esteve em Salvador, o prof. Charles Boxer foi conduzido pelas ruas desta cidade pelo nosso sempre governador Dr. Roberto Santos, a quem   Russell-Wood tinha grande admiração.
Em resumo, não é de admirar que o Prof. Russell-Wood tenha sido premiado e condecorado várias vezes. Além daqueles títulos e prêmios que citei ao longo desta apresentação, não posso me esquecer que em 1997 ele foi feito membro da Royal Historical Society, Londres, e que o Governo Brasileiro concedeu-lhe em 2002 a ambicionada Ordem do Rio Branco. Neste mesmo ano, ele  foi feito Membro Correspondente da Academia de Letras da Bahia, onde proferiu duas belas conferências.
Além da sua magnífica Biblioteca, o Dr. Russell-Wood doou à Universidade Federal da Bahia o seu acervo arquivistico, do qual constam muitos manuscritos, retratos, brochuras, e outros escritos, inclusive o script de um filme, comissionado de Paris para a televisão, (1969) com o nome de Flor de São Miguel. O texto é de Hansen-Bahia, a musica de Carlos Coqueijo Costa e  teve John Russell-Wood como assistente do script e tradutor para o português e alemão. O tema gira em torno da pobreza, vicio e injustiça social. Apesar de haver sido julgado de nível superior e de alto valor artístico, o filme não foi produzido, inclusive, conforme se argumentou, porque o desenvolvimento do tema desembocaria em protesto social, o que tornaria difícil a obtenção de licença para a sua realização, naqueles conturbados anos de 1968, 69. O material arquivístico que acompanha a biblioteca do prof. Russell-Wood é muito rico e bem volumoso, por isso ainda está sendo tratado por nossas incansáveis bibliotecárias.
 Em 2006 a Câmara Municipal de Salvador concedeu-lhe o título de Cidadão de Salvador. Quando do seu falecimento em 2010, a Academia de Letras da Bahia, assim como a Johns Hopkins e outras instituições prestaram-lhe significativas homenagens.
Muito mais teria a dizer para esboçar o perfil do Professor Dr. Anthony John Russell Russell-Wood, um homem raro, na sua dimensão humana e intelectual, realizador do irrealizável, de estrutura hercúlea, disciplina espartana, determinação inflexível e inteligência invulgar. A obra que lhe era mais cara, a sua Biblioteca Particular, foi por ele, por sua amada esposa Hannelore e filhos, doada à Universidade Federal da Bahia. Os filhos, Christopher e Karsten, aqui presentes, deixaram nos USA esposa, filhos e trabalho, para homengeá-lo, nesta cerimonia.  Esta biblioteca está instalada na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, constituindo, com o acervo doado pela Professora Dra. Katia Queiros Mattoso, o Núcleo de Estudos Coloniais, uma nova unidade de estudo e pesquisa que, sem dúvida, contribuirá para a elaboração de trabalhos intelectuais, segundo o ritmo inovador do acontecer e do escrever História.
Não posso terminar sem registrar que o catálogo do Núcleo de Estudos Coloniais, solicitado pela Magnifica Reitora Dra. Dora Leal Rosa à diretora da Edufba, Dra. Flavia Garcia Rosa, foi elaborado num tempo olímpico, graças ao interesse dos que estiveram nele envolvidos, destacando-se o diretor da Faculdade de Filosofia e Ciencias Humanas, Dr. João Carlos Salles, as bibliotecárias Marina da Silva, Hozana Maria C. Azevedo e Andréa Rita Silveira, através das quais agradecemos o trabalho beneditino de uma equipe de dez bibliotecárias. Estenda-se este agradecimento aos técnicos da Edufba, com destaque para Angela Garcia Rosa e Susane Barros que, sob a direção da competente e dedicada Dra. Flavia Garcia Rosa, fizeram com que ele chegue até nós. 
Salvador, 5 de setembro de 2012. 
                                                                   Consuelo Novais Sampaio



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